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Foto do escritorJuliana Duarte

Chega de fiu fiu: mulheres se reúnem contra assédio


Campanhas nas redes sociais visam proteger as mulheres de agressões e abusos


Toda mulher já se sentiu invadida. A primeira vez que eu me lembro foi aos dez anos, quando um cobrador de lotação me cantou a ponto de não aceitar a passagem. Eu, criança orgulhosa, fiz questão de lhe dar o dinheiro. Não queria sentir que estava trocando meu corpo, obrigatoriamente, por alguns quilômetros. Eu não pedi nem queria aquilo. Para muitos, pode até ser um benefício. Mas acredite: a maioria das mulheres não enxerga a situação dessa forma.


Desse momento em diante, foram incontáveis as vezes que passei por casos semelhantes. Faço parte das 103,5 milhões de brasileiras (total de mulheres no País, segundo o IBGE) que já vivenciaram algum tipo de assédio ao longo da vida. Na rua, no ônibus, no metrô, no trabalho. De dia, de tarde, de noite. Vestindo uma saia, um casaco ou até mesmo uma calça jeans. E o transporte público parece ser o local mais propício para homens cometerem tais crimes.


Segundo pesquisa divulgada em 2013 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 78% das mulheres entrevistadas, entre 16 e 24 anos, já passou por algum tipo de assédio. Os tipos são vários: 68% relata ter recebido cantadas ofensivas e 31% respondeu que já sofreu abuso nos transportes. O número mais impressionante se refere a 58,5% dos entrevistados que acreditam que haveria menos estupros se “as mulheres soubessem se comportar”.


Andar na rua sem ouvir uma cantada é quase impossível. Prova disso foi a experiência que fiz para esta matéria do Primeira Impressão. Mudei o caminho de ida e volta do trabalho para escrever sobre o assunto. Em uma semana, usei roupas diferentes: calça jeans, vestido ou saia. Blusas de manga comprida ou de alça. A abordagem foi a mesma em todas elas.


Alguns gritaram “ô… lá em casa”, outros não fizeram qualquer barulho, mas olharam como se eu fosse um produto cobiçado na vitrine de uma loja qualquer. A loja é a rua e o preço pelo produto é uma cantada que, de elogio, nada tem. Tentei chamar alguns homens que “mexeram” comigo para perguntar por que ainda assediam as mulheres dessa forma. Mas nenhum retornou minha tentativa de conversar, mesmo desconhecendo qual seria o conteúdo do bate-papo.


Por sorte, nenhum agressor fez mais daquilo que já estamos acostumadas: palavras com teor sexual e olhares cobiçadores. Mas nem todos os casos são assim. A estudante de Jornalismo, Jéssica Trucat, de 20 anos, viveu uma experiência aterrorizante em um coletivo em Santos. Ela entrou em um ônibus com destino à faculdade, por volta das 18h. O transporte estava vazio, com uma média de 10 passageiros, algo incomum para o horário.


Um homem de mais ou menos 30 anos começou a encará-la. Ele estava sentado na fileira ao lado dela. “Não me importei no começo, mas ele começou a me olhar muito. Primeiro pensei que seria assaltada e comecei a esconder tudo: celular, corrente e objetos de valor. Mas estava bem enganada”, relembra.


Ela só percebeu as intenções do agressor quando percebeu onde estava a mão dele. “Ele começou a passá-la por cima da calça e a fazer coisas indevidas. Paralisei na hora, não sabia se chorava, se gritava ou se corria”.


O sentimento que ficou foi de incapacidade. “Só quem passa por isso entende como é se sentir sem valor, frágil. A única coisa que consegui fazer foi pedir a Deus para me proteger”.


A sensação de ser protegida começou quando o motorista parou e anunciou que o veículo estava quebrado. Foi a oportunidade que Jéssica encontrou para se livrar do homem. “Desci correndo do ônibus e entrei em outro logo atrás, o primeiro que encontrei. O agressor continuou me encarando. Foi um alívio quando percebi que tudo havia terminado”.


Os minutos de tensão se tornaram um trauma sentido até hoje. “É difícil esquecer. Sobra apenas o medo do que vem pela frente. Tenho receio no ônibus, fico olhando para todos. O triste é que momentos como este continuam acontecendo”, desabafa.


Outra vítima do abuso no transporte público foi a estudante de Estética, Dieniffer Sousa, de 21 anos. Ela entrou no ônibus, de vestido, para fazer um exame médico. O que parecia simples se tornou um pesadelo.


No outro lado do corredor estava um homem que a encarava. Para evitar qualquer problema, preferiu trocar de lugar e foi para perto da porta, em pé. A visível falta de interesse não foi o bastante para o agressor, que não desistiu da abordagem, e foi ao encontro dela. “Ele se posicionou atrás de mim, colocou a mão embaixo da minha roupa e com o celular na mão, ligado na câmera frontal, tentou tirar fotos da minha calcinha”, relembra.


Ao perceber o ato, a estudante colocou a bolsa na frente e ficou segurando-a para que o passageiro não conseguisse finalizar o planejado. “Só consegui fazer isso. Iria descer em uma parada deserta e fiquei com medo de ser seguida ou acontecer algo pior. Nunca me senti tão humilhada. E pior: impotente”, desabafa.


O alívio veio quando ela desceu no ponto de ônibus e percebeu que o homem tinha ficado no transporte. “Senti um alívio tão grande que até chorei. Não conseguia parar de tremer. A única coisa que eu queria era voltar para casa e não sair mais. Desejava que aquele medo desaparecesse”.


VERGONHA NA CARA


Foi por volta das 15h30 que uma situação parecida aconteceu com a publicitária, Ana Reyna, 23 anos. Desta vez, em um terminal de ônibus. Com a sensação de ter sorte por conseguir um lugar vazio, ela sentou em um banco no espaço reservado para cadeirantes. “Um homem ficou na minha frente, tirou seu membro e começou a se masturbar, me olhando de pé a cabeça enquanto se tocava”.


Quanto mais o ônibus enchia, mais próximo o rapaz ficava. “Ele aproveitou para se encostar no apoio que os passageiros se seguram e ‘chegou lá’ da maneira mais nojenta possível. E sempre me encarando”, conta com repugnância.


Ao contrário de Jéssica e Dieniffer, Ana reclamou. “Perguntei se ele não tinha vergonha na cara por fazer isso. Ele aumentou o tom de voz e questionou se eu estava doida. Até me mandou parar de dizer besteiras”.


O medo apareceu quando o passageiro ameaçou agredi-la fisicamente. “Ele levantou a mão para mim. Na hora, gelei”. O alívio veio quando outro rapaz interveio. O ônibus parou e os outros passageiros começaram a ofender o agressor, aproveitando para registrar, em vídeo, o que estava acontecendo.


LEGISLAÇÃO


A única cidade da Baixada Santista com uma legislatura própria para abuso em coletivos e na rua é Santos. A lei 3.098, de 5 de janeiro de 2015, institui campanha de conscientização e prevenção de abusos sexuais contra mulheres no transporte público e em locais de grande aglomeração de pessoas no município. A campanha visa coibir as oportunidades de assédio sexual e incentivar as vítimas a denunciarem os infratores. Para isso, utiliza cartazes nos ônibus, informando que este ato é crime previsto em lei e sujeito à punição.


A delegada da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos, Débora Lázaro, explica que, mesmo com uma legislação própria para o assédio no munícipio, as mulheres de outros municípios também podem denunciar o abuso em coletivos ou na rua. “Se houve o roçar do corpo ou se o agressor apalpou a mulher é considerado estupro”, explica.


Se a mulher sentir-se assediada, ela pode levar a denúncia para a DDM. “Nós vamos fazer uma investigação para saber se procede ou não. Nesse tipo de crime, onde o ato sexual não é consumado, não existem vestígios. Por isso, é importante uma testemunha”.


Apesar dos problemas constantes, a DDM de Santos não registrou qualquer caso de assédio nos coletivos. Quem sofre o abuso é importante levar a denúncia adiante para evitar que outros casos assim aconteçam. “O agressor é julgado como estuprador”, afirma a delegada. Em casos onde não há contato dos corpos, quando a agressor apenas ‘se toca’, a delegada diz que a vítima também pode denunciar. “Neste caso é configurado atentado ao pudor”.


Para denunciar, a vítima pode entrar em contato por meio da Central de Atendimento à Mulher, o 180, ou se encaminhar à DDM de Santos, localizada à Rua Assis Corrêa, 50, no Gonzaga. O local funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 19h. Se o crime ocorrer em outro dia ou horário, a mulher pode se encaminhar à delegacia-sede no mesmo endereço.


FIU FIU JÁ ERA


Chega de fiu fiu. Esse é o nome da campanha criada em 24 de julho de 2013 pela Think Olga, grupo de sites na internet que criou o slogan de combate ao assédio sexual em espaços públicos. Inicialmente, foram publicadas ilustrações com mensagens de repúdio a esse tipo de violência que, após ser muito bem-vinda e compartilhada nas redes sociais, se tornou um grande movimento contra a agressão.


O assédio repudiado pelo projeto se refere a comentários de teor obsceno, olhares, intimidações, toques indesejados e importunações de teor sexual. A jornalista Karin Hueck elaborou um estudo online, lançada pelo Think Olga, para averiguar de perto a opinião das mulheres em relação às cantadas de rua. Mais de 8 mil participantes responderam. Entre elas, 98% já sofreram assédio, 83% não achavam legal e 90% já trocaram de roupa antes de sair de casa por conta do assédio.


A repercussão foi tão grande que foi criado o site http://www.chegadefiufiu.com.br com o Mapa Chega de Fiu Fiu, uma ferramenta para tornar as cidades mais seguras para as mulheres. Em Santos, até o momento são 12 registros. Lá a internauta pode marcar onde aconteceu o assédio, avisando a outras pessoas os locais onde o abuso acontece.


Mas essa não é a única campanha do tipo que ganhou força na internet. A página Vamos Juntas? convida mulheres a acompanhar outras quando se encontrarem sozinhas na rua. O objetivo é, além de fazer novas amizades, tornar-se uma proteção.

Na página do Facebook (www.facebook.com/movimentovamosjuntas) já são quase 210 mil reunidas. Neste espaço são publicados imagens com relatos de mulheres que, inspiradas pela campanha, ajudaram umas às outras. A repercussão foi tão grande que foram criados grupos com participantes de cada estado.

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